domingo, 21 de setembro de 2014

É na tradição que o gaúcho "dá de relho"

Ainda está para nascer um gaúcho que não saiba o que é tradição. Rinaldo Souto sabe disso. Tanto sabe que, há 28 anos, vive de ser gaúcho. Toda sua renda vem exclusivamente de passar o regionalismo do Estado adiante. E é exatamente esse o significado da palavra “tradição”.

Aos 15 anos, ele entrou pela primeira vez em um Centro de Tradições Gaúchas(CTG), convidado por uma “prenda”. Como ele conta, nunca tinha se deparado com tantas gurias bonitas. Mas, as prendas foram parar em segundo plano quando Rinaldo se viu diante da chula.

“A primeira visão que eu tive foi da chula, e pensei: ‘isso é maravilhoso’. Era todo mundo eufórico com a apresentação (...) então pensei ‘eu quero viver essa emoção’”, relembra.

Em quatro meses, Rinaldo já competia pelo CTG e ganhou o primeiro torneio que disputou. E foi só o começo de uma vida dedicada aos passos que caracterizam parte da tradição do Rio Grande do Sul.

O tempo passado em ensaios trouxe mais do que dança. As viagens e trocas de experiências com outros colegas do CTG deram a Rinaldo conhecimento sobre os regionalismos que constroem o modo de falar do gaúcho.

Mas o regionalismo linguístico não é exclusividade de quem nasce nos Pampas. “Renguear cusco” e “deixar cair os ‘butiá’ do bolso” todo mundo faz, mas só o gaúcho sabe realmente o significado desses termos.

As mudanças no modo de falar, gírias e expressões regionais de um determinado grupo, e época, são resultado, simplesmente, de uma mente criativa expressando uma situação cotidiana de forma irreverente. Então um fala pra um, que fala pra outro, que acha legal e pronto.

O professor Marcos Goldnadel, especialista linguística, explica como surgem os regionalismos:

“(Os regionalismos) surgem a partir de uma primeira premissa de que as línguas estão sempre mudando, sempre se enriquecendo. Dentro dessa dinâmica, surgem palavras novas, já que as pessoas querem se expressar de forma criativa, essas expressões ganham popularidade e se espalham em uma comunidade. A linguagem verbal também é para se identificar com os outros.”

É dessa maneira que a língua vai se modificando desde sempre. O que muda com o tempo são as formas de disseminação desses termos, seja pela internet, com o“Marco Véio”, ou o pela intervenção de um pai mandando "sossegar o pito"! Estranhar regionalismos é normal e pode até trazer problemas de compreensão caso não esteja habituado ao linguajar de determinada região do País ou do Mundo.

Mas não se deixe intimidar por olhadelas que censurem teu modo bem gaúcho de pedir o "pãozinho" na padaria ou qualquer outro tipo de deboche. Como já dito, tradição é passar adiante as melhores características de uma cultura, e nisso o gaúcho “dá de relho”.


Matéria adaptada para o rádio

Vídeo





* Texto publicado em 20 de setembro de 2014, no site da Rádio Gaúcha. Acesse a matéria

sábado, 29 de setembro de 2012

Alteração da certidão de óbito do pai emociona filho de Herzog

Há quase 40 anos lutando para que a morte de Vladimir Herzog fosse devidamente esclarecida, a família do jornalista finalmente conseguiu legitimar a versão que defende desde 1975. Na última segunda-feira, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo comprovou e reconheceu as certezas da família sobre as causas da morte de Vlado.

De acordo com a resolução, o atestado de óbito de Herzog será retificado fazendo constar que sua "morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército - SP (Doi-Codi)", e não mais suicídio. Para o filho do jornalista e diretor do Instituto Vladimir Herzog em São Paulo, Ivo Herzog, o parecer constitui um resultado histórico. "Devemos lembrar que este processo foi levado pela Comissão da Verdade, que muito vem sendo criticada. Nós, família Herzog, estamos muito felizes e emocionados com esta decisão", comentou.

Para o amigo Paulo Markun, autor do livro "Meu Querido Vlado", a insistência da família, a pressão dos jornalistas, a coragem de advogados e de dois juízes mudaram o final dessa história. Ele conta que, na ocasião da morte do colega de TV Cultura, os chefes do Doi-Codi reuniram alguns poucos jornalistas que estavam presos e tentaram convencê-los de que Herzog era um agente da KGB que se suicidara pra não confessar. "Apresentaram uma história maluca, em que a direção do clandestino Partido Comunista seria feita por gente acima de qualquer suspeita, como um governador e um cardeal. Nenhum de nós acreditou", relatou.

Markun afirmou, ainda, que a versão do suicídio de Herzog foi mantida a mando do general Geisel graças a um inquérito policial-militar encomendado para confirmar o fato. "O documento tinha requintes de absurdo, como a foto que mostrava o corpo de Vlado com as pernas dobradas, pendurado numa grade onde ninguém conseguiria se enforcar", declarou.

A versão oficial, na época, foi refutada pelos movimentos sociais de resistência à ditadura militar. Uma semana após a morte do jornalista, em outubro de 1975, cerca de oito mil brasileiros participaram de uma missa ecumênica organizada por D. Paulo Evaristo Arns, pelo reverendo James Wright e pelo rabino Henri Sobel.

Três anos mais tarde, no dia 27 de outubro de 1978, o processo movido pela família do jornalista revelou a verdade sobre a morte de Herzog. A União foi responsabilizada pelas torturas e pela morte do jornalista. Foi o primeiro processo vitorioso movido por familiares de uma vítima do regime militar contra o Estado.

A deliberação do juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concede um importante precedente para que outras famílias torturadas pelo mesmo sofrimento possam fazer justiça. "Ela abre as portas para que os que perderam gente querida naquela época sigam o mesmo caminho e possam ter um documento que recupere a verdade sobre o destino daquela gente", afirmou Ivo. "O atestado de óbito afinal reescrito prova que a verdade tarda, mas aparece", concluiu Markun.

Investigação

Em junho deste ano, o Brasil alegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entidade da Organização dos Estados Americanos (OEA), que a Lei da Anistia impede que se abra no País uma investigação sobre a morte do jornalista, ocorrida em 1975.

O Brasil foi obrigado a se pronunciar oficialmente sobre o caso após parentes do jornalista e organizações de direitos humanos terem encaminhado a denúncia à Comissão Interamericana, em 2009. O pedido de investigação foi feito por quatro entidades que atuam na defesa de direitos humanos no Brasil. Elas querem que o País investigue o caso, processe e puna os responsáveis pela morte do jornalista.

No documento de resposta, o governo brasileiro diz que criou a Comissão Nacional da Verdade para apurar casos de violações aos direitos humanos ocorridos na ditadura militar e que o caso de Vlado poderia ser incluído na comissão. Na sequência, a família Herzog solicitou à comissão a retificação do atestado de óbito, que foi aceita por unanimidade pelos membros.


* Texto publicado em 26 de setembro de 2012, no Portal Terra de Notícias. Matéria Online 



sábado, 22 de setembro de 2012

Batman enfrenta Robin na disputa eleitoral de Aracaju


Acreditando na excentricidade como uma ferramenta eleitoral, diversos candidatos de Aracaju, no Sergipe, estão dispostos a montar uma verdadeira Liga da Justiça na Câmara de Vereadores da capital sergipana. Candidatos fantasiados de super-heróis apostam no bom humor dos eleitores para conquistar uma das 24 cadeiras a serem preenchidas no órgão municipal.
Dener Nascimento Cruz (PMDB) é o homem morcego do Sergipe e quer defender os direitos da população de Aracaju. “Vote em Batman, pois esse sim não vai fazer nada, nada, nada contra o povo. Só a favor”, afirma o candidato em seu momento no horário eleitoral gratuito. Inovando com bigode grisalho pouco familiar aos amantes da DC Comics, seu braço direito, Robin, também disputa um espaço na política sergipana. "Com o mundo discutindo soluções para a poluição produzida por nós, lutarei para que a cidade tenha um projeto de reciclagem organizado. Deixando Aracaju como ela deve ser: limpa e desenvolvida. Por isso, vote Robin!", pede Jaelson Gomes Mota (PSDB), 54 anos, fantasiado . Além dos heróis dos quadrinhos, Bin Laden e Chapolin também são exemplos de personagens em busca de um cargo político em Aracaju.
No sistema eleitoral brasileiro, a presença dos chamados "puxadores de voto" vem se tornando uma constante. De acordo com a legislação, os candidatos procuram somar votos para a legenda (sigla) ou coligação (várias siglas juntas). Após a votação, é verificado se o número alcançou o coeficiente necessário para eleger um ou mais candidatos, para, então, serem atribuídos os votos aos mais votados. Os votos válidos recebidos pelos partidos da coligação (nominais ou de legenda) são divididos pelo quociente eleitoral, resultando no número de cadeiras que a coligação pode ocupar. Os melhores colocados de cada partido ou coligação preenchem as vagas. Por isso, a cultura crescente de figuras como o Batman e o Robin de Aracaju.
Em 2010, o palhaço Tiririca (PR-SP) se elegeu deputado federal com número recorde. Foram 1,3 milhão de votos que colocaram o cantor do hit "Florentina" entre os escolhidos para representar a população.


* Texto publicado em 22 de setembro de 2012, no Portal Terra de Notícias. Matéria online aqui..

domingo, 16 de setembro de 2012

Aumento de ataques a bancos revela brecha no acesso a explosivos

A onda de ataques a bancos com explosivos em 2012 já é cerca 30% maior que o registrado em todo ano passado no Rio Grande do Sul. Até este mês, foram contabilizados pela Polícia Civil 18 arrombamentos. O crescimento, já sinalizado em outras partes do País, escancara a fragilidade na fiscalização e no controle deste arsenal.

De acordo com o delegado Juliano Brasil Ferreira, da 1ª Delegacia de Roubos do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) do Rio Grande do Sul, as grandes quadrilhas que atuam nessa modalidade criminosa são formadas geralmente por cinco ou seis integrantes, que preferem os primeiros dias do mês e os finais de semana para agir. Os ataques geralmente são noturnos, quando não há funcionários, necessitando, dessa maneira, de uma ferramenta que torne o dinheiro acessível. Aí entram os explosivos.

Na cidade de Feliz, no interior gaúcho, a quantidade de explosivos utilizada pela quadrilha foi tão grande que o impacto destruiu toda a agência e abalou a estrutura da construção a ponto de ser necessária uma avaliação de engenheiros sobre os riscos de desabamento. Ferreira explica que nesse tipo de ataque, dificilmente os bandidos conseguem levar mais de R$ 20 mil. "Com a explosão eles acabam perdendo muito das notas. Um caixa eletrônico é abastecido com cerca de R$ 80 mil. Dessa maneira, por menos da metade da quantia contida no caixa, agências inteiras são destruídas."

Para ele, o fácil acesso dos bandidos a instruções de uso e aos próprios explosivos constitui um facilitador desse tipo de delito. "Infelizmente, o conhecimento sobre a utilização desse material está difundido entre os criminosos, sendo que um passa para outro, sem muita preocupação com a melhor técnica. Além disso, através da internet é possível conseguir até mesmo simulações", explica Ferreira.

Ainda segundo o delegado, esse material chega às quadrilhas por meio do desvio gota-a-gota feito em pedreiras e empresas que utilizam explosivos. "É difícil controlar os desvios porque alguns criminosos sabem que apenas uma banana de dinamite é capaz de explodir mais de um caixa eletrônico. Muitas vezes as pedreiras nem tomam conhecimento desse desvio por ser muito pequeno", explica.

O controle desses estabelecimentos é feito pelo Exército Brasileiro. A legalidade de utilização do material é restrita apenas a empresas que possuem autorização militar para produzir ou comercializar esse tipo de produto. "Infelizmente, acredito que por mais que o exército fiscalize, não conseguirá conter essa onda, pois não vejo qualquer relação quanto a isso", declara Ferreira.

O Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército (SFPC) explicou que as pedreiras geralmente possuem paiol próprio e, por conta disso, são alvo da elaboração de planos anuais de vistoria sobre a segurança na acomodação, recebimento e saída desse material. As visitas da fiscalização não são avisadas e, caso seja constatada alguma irregularidade, a empresa é autuada e os produtos em desacordo com as normas passíveis de apreensão. Embora esse controle seja feito, o órgão admite que furtos, roubos e desvios podem ocorrer e são difíceis de controlar.

Nesses casos a empresa comunica o Exército que busca apurar se houve negligência com relação às normas de segurança exigidas. Contudo, o regulamento militar prevê apenas sanções administrativas. A parte criminal fica ao encargo dos órgãos policiais, conforme informações do SFPC 3, situado no Rio Grande do Sul.

Outro possível acesso dos bandidos aos explosivos seria através do roubo dessas cargas durante o 
transporte para abastecimento das pedreiras e empresas. Desde o ano passado, o território gaúcho contabilizou quatro episódios desse tipo. Apenas um dos crimes terminou com a recuperação do material, em Garibaldi, na região serrana.

Apesar de Ferreira não acreditar neste método de obtenção como o principal, pela grande atenção que desperta, o SFPC explica que o transporte de carga explosiva ainda sofre com brechas na legislação que propiciam o crime. Segundo o órgão, é necessária uma guia de tráfego para o transporte, bem como seguir normas de segurança como rastreamento do veículo e outros aparatos. Entretanto, a legislação não exige, até o momento, a utilização de escolta para o deslocamento.

Em 14 de agosto deste ano, uma quadrilha explodiu, ao mesmo tempo, oito máquinas de auto-atendimento em Torres, no litoral gaúcho. A explosão destruiu toda a área dos caixas eletrônicos. A ousadia dos bandidos, segundo o delegado, segue tendências que mudam com o tempo. "Quando eles descobrem uma ferramenta nova, os ataques começam em uma parte do País e logo se espalham por tudo. Antigamente sequestravam os gerentes pra que abrissem o cofre, hoje em dia usam explosivos. Só mudam a forma da operação", destacou.

Na opinião do delegado, mais do que apenas fiscalização é necessário pra conter os ataques. O investimento em segurança por parte dos bancos, juntamente com uma maior repressão policial dificultaria a ação dos bandidos. "Acredito que tal modalidade criminosa terá fim quando os bancos adotarem dispositivos que invalidem as notas com a onda de calor, como, por exemplo, a guilhotina (corta as cédulas ao meio) e o entintamento", disse Ferreira, que nesta semana liderou uma operação que resultou na prisão de pelo menos 16 pessoas. O grupo é suspeitos de roubos a bancos e caixas eletrônicos com o uso de explosivos na região metropolitana de Porto Alegre. 





*Texto publicado no Portal Terra de Notícias em 15 de setembro de 2012. Matéria Online

sábado, 1 de setembro de 2012

RS: após anulação, concurso é suspenso por suspeita de fraude

Evidências de uma possível fraude em concurso público da Prefeitura de Porto Alegre (RS) para o cargo de agente fiscal da receita municipal, realizado em 29 de abril deste ano, levaram a Justiça a suspender o processo seletivo. Dessa maneira, os aprovados não poderão ser nomeados até o veredito final sobre o pedido de anulação. Essa foi a segunda vez que a mesma seleção acaba suspensa. A decisão, do juiz Angelo Furlanetto Ponzon do 1º Juizado Especial da Fazenda Pública do Rio Grande do Sul, foi publicada no dia 16 de agosto.

A denúncia é baseada na constatação de problemas em provas de redação que obtiveram nota máxima na avaliação escrita. Além da identificação de candidatos em algumas redações, erros de português, assinalados pelos corretores, não foram descontados nos testes. De acordo com o edital do concurso, qualquer tipo de identificação das provas escritas caracterizaria condições para anulação. Ainda no mesmo documento, consta que erros de grafia e gramática resultariam na perda de 0,5 pontos para cada incorreção.

Além dos problemas com as redações, uma questão da prova objetiva, com duas respostas válidas, gerou cerca de 30 recursos encaminhados à organização, todos negados pela banca examinadora. Cinco deles foram parar na Justiça através de mandados de segurança, e contam com liminares favoráveis à anulação. Na última sexta-feira, a prefeitura publicou no Diário Oficial do município o cancelamento do item.

A primeira anulação

Em 10 de abril deste ano, o mesmo concurso foi anulado, pela primeira vez, poucos dias após a aplicação das questões, em 25 de março e 1º de abril. A prova teria apresentado problemas em 17 das 160 questões. A invalidação da seleção correu "em razão da ocorrência de questões não inéditas, e pelo fato de um examinador ter ministrado aulas, no ano de 2010, em curso específico para o referido cargo", como consta no Edital 44 da prefeitura, documento oficial que anula o concurso. No mesmo ofício, foi marcada data para a aplicação da nova prova, em 29 de abril deste ano, nos mesmos padrões da anterior.

Entretanto, no dia 16 do mesmo mês, a Secretaria Municipal de Administração divulgou novo edital publicando os nomes dos integrantes da banca examinadora da nova avaliação. Dois dias depois, um terceiro documento modificou a comissão, trocando um dos integrantes. De acordo com um grupo de discussão dos candidatos na internet, a professora substituída também teria lecionado em cursos preparatórios para concursos.

A Prefeitura de Porto Alegre foi procurada para comentar o caso, porém, a assessoria de comunicação, e o setor responsável pelos concursos municipais disseram não ter conhecimento a respeito do assunto, até a última sexta-feira. A Fundação do Ministério Público (FMP), responsável pela realização do concurso público municipal, também foi procurada e informou que não havia pessoas autorizadas, na ocasião, a falar sobre o assunto.

A notificação oficial sobre o pedido de anulação do concurso foi encaminhada à Prefeitura, na tarde da última quinta-feira. O caso está sendo analisado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, sob responsabilidade da promotora Diomar Jacinta Rech, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre.


*Texto publicado em 25 de agosto de 2012, no Portal Terra de Notícias. Matéria Online

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

SP: 1º hospital público para animais do País tem grande procura

O vira-lata Lobinho, 9 anos, usa uma fralda enquanto espera, na calçada, atendimento no único hospital público para animais do País, localizado no Tatuapé, zona leste de São Paulo. Seu dono, o vigilante Clodoaldo Gonçalves, 39 anos, tem os braços cruzados enquanto espera, em pé, que seu bicho de estimação seja recebido. Ele afirma ter madrugado para tratar do cão que tem um tumor nos testículos, oculto por curativo colocado após a triagem. A fralda deixa escapar um pouco de sangue. "Tem três dias que ele está assim, e não come desde ontem", diz.

Com pouco menos de dois meses de funcionamento, a demanda por procedimentos médicos em animais cujos donos não têm condições de arcar com as despesas para o tratamento só tem aumentado. Inicialmente a equipe do Hospital Veterinário do Tatuapé contava com 28 funcionários, sendo 16 médicos veterinários. Contudo, para dar conta da forte procura, o hospital está atuando com um quadro de 25 profissionais da saúde animal e mais 25 funcionários de serviços gerais. Ainda assim, a espera média para o atendimento na instituição pode chegar a quatro horas.

No centro cirúrgico do hospital, outro cão de raça não identificada recebe massagem de veterinários após uma parada cardíaca. Não resistiu. A impotência diante de casos em que nada mais é possível fazer pelo bicho emociona. "Tenho 25 anos de formado, marmanjão, corintiano, às vezes saio num cantinho para chorar", desabafa Renato Tartália, 49 anos, médico veterinário e diretor administrativo do hospital.

A prefeitura paulista destina um repasse mensal de R$ 600 mil para a instituição, gerida pela Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo (Anclivepa-SP). De acordo com o autor do projeto, o vereador Roberto Trípoli (PV), como partida, a meta era realizar 100 atendimentos por dia, contando o retorno de pacientes em tratamento. No entanto, a procura pelos serviços cirúrgicos, ortopédicos, dermatológicos e odontológicos foi tão intensa que o vereador já menciona a necessidade de ampliar o atendimento. "Houve um dia em que, às 3h da manhã, já tinha gente na fila aguardando pra pegar a senha. O objetivo era fazer mil atendimentos por mês, mas, do jeito que está, teremos cerca de 3 mil, se continuar assim", explica.

Todos os dias, ao menos 40 novas fichas de atendimento são abertas para pessoas que procuram o hospital comprovando baixa renda, por meio da participação nos programas Bolsa Família e Renda Mínima. Uma assistente social atesta se o proprietário do animal se enquadra no público elegível para o tratamento gratuito. Os casos mais comuns são os atropelamentos: pelo menos cinco por dia.
O desempregado Luiz Carlos Oliveira, 28 anos, leva a gata Molenga há três semanas para receber soro. De acordo com ele, a felina de 15 anos tem insuficiência renal e artrite, entre outras dificuldades decorrentes de sua idade avançada. "Enquanto ela vive, sigo lutando por sua vida, não vou abandoná-la", diz. A faxineira Nair de Jesus Silva, 58 anos, faz carinho na cadela chow-chow Laila enquanto aguarda a remoção de útero do animal. Ambos só têm elogios para o centro de saúde animal.

Já existem projetos para ampliar o espaço destinado à instituição, além da criação de mais centros como esse em outras regiões da cidade. Tartália afirma que a inauguração do hospital, há cerca de 50 dias, foi uma conquista de grupos independentes que tratam dos direitos dos animais. O profissional acredita, ainda, que não há conflito em um atendimento público gratuito para os bichos, pois tratar do animal de estimação é tratar, também, seus donos. "Você percebe que, dando alívio ao sofrimento de um animal, você cura também o dono", finaliza.


* Texto em co-autoria de Hermano Freitas, publicado em 15 de agosto de 2012, no Portal Terra de Notícias - Matéria Online

Com poucas ações públicas, saúde animal ainda depende de voluntários

Pouco mais de um mês após sua inauguração, o Hospital Veterinário do Tatuapé, em São Paulo - primeiro centro de saúde pública do País especializado no atendimento de cães e gatos -, é um raro exemplo de iniciativa governamental em um setor que ainda depende, em grande parte, do trabalho de voluntários. São poucos os municípios brasileiros que contam com políticas públicas voltadas para os animais. Rio de Janeiro e Porto Alegre são, até o momento, as únicas capitais onde há secretarias para lidar com o assunto.

Em São Paulo, o Conselho Municipal de Proteção aos Animais é a principal representação de proteção aos bichos. As demais cidades do País contam apenas com os Centros de Controle de Zoonoses (CCZ), destinados à prevenção e à manutenção de doenças transmissíveis aos seres humanos, por meio do desenvolvimento de sistemas de vigilância sanitária e epidemiológica. Contudo, esses CCZs realizam apenas ações e programas estabelecidos pelos governos federal, estadual e municipal, sem agregar políticas específicas de proteção e bem-estar aos "pets".
Inaugurado no dia 2 de julho deste ano na zona leste de São Paulo, o primeiro hospital veterinário público do Brasil evidenciou, em pouco mais de um mês de existência, a demanda desse tipo de serviço. "Quem não tem recurso não tem a quem recorrer. O ser humano tem o SUS (Sistema Único de Saúde), o animal não tem nada. Hoje mudou a consciência a respeito do animal. As pessoas sozinhas os têm como companheiros. O retorno foi fabuloso e já tem candidatos à prefeitura de São Paulo sensíveis a essa questão", explica Roberto Trípoli (PV), idealizador do projeto.

O vereador paulista acredita que a repercussão da criação do hospital irá inspirar outros governos municipais a implementarem políticas públicas como a elaborada por ele. "Há, inclusive, a ideia de expandir o projeto e criar mais hospitais em outras regiões da cidade. São estimados cerca de 6 milhões de animais só em São Paulo. Não tenho dúvidas de que essa política irá refletir no resto do País. Já tenho contatos em Curitiba. Estou certo de que essa intenção vai se espalhar", afirma o parlamentar.

De acordo com Wilson Grassi Júnior, conselheiro da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo (Anclivepa-SP), gestora do hospital, a necessidade da criação de políticas públicas como essa é justificável a partir de três vertentes. "A primeira diz respeito à eliminação do sofrimento dos animais que estão doentes e sem nenhum tratamento. A segunda, em contrapartida, visa à redução da angústia das pessoas, pois donos de animais enfermos que não têm condições de pagar por um tratamento acabam sofrendo por ver o bicho agonizar sem poder ajudá-lo", afirma. "A última é referente às questões de saúde pública. Animais doentes são fontes de transmissão de doenças", explica.
 
Secretarias municipais: ações de conscientização pela causa animal

A capital carioca foi a primeira a introduzir, em sua política municipal, uma secretaria especial para cuidar dos animais. Criada em 2000, a Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais (SEPDA), comandada atualmente por Luiz Gonzaga da Costa Leite, mantém atuantes iniciativas como o programa de esterilização gratuita Bicho Rio, o projeto para adoção Adotar é o Bicho!, o Centro de Proteção Animal e o Programa de Educação Ambiental.
Seguindo a mesma linha, a Secretaria Especial de Defesa dos Animais (Seda) de Porto Alegre, com pouco mais de um ano de existência, já conta com diversas ações protetivas. Apenas entre 3 e 9 de agosto deste ano, a Seda realizou 103 esterilizações, 117 vermifugações, 20 atendimentos clínicos e cinco cirurgias.

A mais recente iniciativa da Seda é o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, em 16 de agosto. A ideia é mobilizar a sociedade quanto aos projetos voltados à causa que estão em tramitação no Parlamento gaúcho e na Câmara dos Deputados. O deputado estadual Paulo Odone (PPS), que coordenará a frente, é autor, ainda, de um projeto de lei que proíbe a utilização de cães como guardas, no Rio Grande do Sul.
 
Bancos de sangue e o voluntariado

No Brasil, as principais instituições de ensino superior contam com bancos de sangue animal nas faculdades de medicina veterinária. Diariamente, como em seres humanos, são necessárias bolsas de reposição sanguínea para viabilizar procedimentos médicos. Contudo, nem sempre o serviço pode ser feito de maneira gratuita, por falta de verba destinada para esse fim. "Há um custo, pois o governo não tem políticas que garantam que esse serviço seja feito gratuitamente", explica a veterinária responsável pela criação do banco de sangue animal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciana Lacerda.

Luciana implementou o banco na Faculdade de Medicina Veterinária da UFRGS há sete anos, pela necessidade de um local que analisasse a fundo esse tipo de substância. Contudo, o banco foi fechado recentemente pela falta de um profissional disposto a dar continuidade ao projeto, tendo em vista a saída da veterinária. "Muito do investimento financeiro foi feito por mim mesma", ressalta.
 
Redes sociais

Engajada na causa como Luciana, há pouco menos de um ano, Bruna Mendes criou o projeto Open Bar Canino. Por meio das redes sociais, a jovem de 19 anos busca dar maior qualidade de assistência às principais ONGs animais de Porto Alegre. Por meio da arrecadação de ração, cobertores e roupinhas, ela dá condições às entidades destinarem forças para serviços mais complexos, como atendimento médico veterinário, cuidados básicos de saúde e medicamentos.
A estudante e a veterinária fazem parte de uma rede informal de voluntários que procura suprir a necessidade de políticas públicas de proteção e bem-estar dos animais na capital gaúcha. Esse tipo de atividade faz parte da rotina de milhares de pessoas, em todo o País, que acreditam nos animais como seres merecedores de melhores condições de vida e de assistência governamental.
A Constituição Federal, em seu artigo 225, impõe à sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física desses seres, além de proibir práticas que os coloquem em risco ou provoquem a sua extinção. "Os animais de estimação são os únicos seres que dão todo o amor que têm e não pedem nada em troca, além de transmitir uma felicidade incrível. É impossível alguém entrar em um local que tem um cão abanando o rabo e não ficar feliz", afirma Bruna.


 *Texpo publicado no Portal Terra, em 15 de agosto de 2012 - Matéria com fotos