Pouco mais de um mês após sua inauguração, o Hospital Veterinário do
Tatuapé, em São Paulo - primeiro centro de saúde pública do País
especializado no atendimento de cães e gatos -, é um raro exemplo de
iniciativa governamental em um setor que ainda depende, em grande parte,
do trabalho de voluntários. São poucos os municípios brasileiros que
contam com políticas públicas voltadas para os animais. Rio de Janeiro e
Porto Alegre são, até o momento, as únicas capitais onde há secretarias
para lidar com o assunto.
Em São Paulo, o Conselho Municipal de Proteção aos Animais é a
principal representação de proteção aos bichos. As demais cidades do
País contam apenas com os Centros de Controle de Zoonoses (CCZ),
destinados à prevenção e à manutenção de doenças transmissíveis aos
seres humanos, por meio do desenvolvimento de sistemas de vigilância
sanitária e epidemiológica. Contudo, esses CCZs realizam apenas ações e
programas estabelecidos pelos governos federal, estadual e municipal,
sem agregar políticas específicas de proteção e bem-estar aos "pets".
Inaugurado no dia 2 de julho deste ano na zona leste de São Paulo, o
primeiro hospital veterinário público do Brasil evidenciou, em pouco
mais de um mês de existência, a demanda desse tipo de serviço. "Quem não
tem recurso não tem a quem recorrer. O ser humano tem o SUS (
Sistema Único de Saúde),
o animal não tem nada. Hoje mudou a consciência a respeito do animal.
As pessoas sozinhas os têm como companheiros. O retorno foi fabuloso e
já tem candidatos à prefeitura de São Paulo sensíveis a essa questão",
explica Roberto Trípoli (PV), idealizador do projeto.
O vereador paulista acredita que a repercussão da criação do hospital
irá inspirar outros governos municipais a implementarem políticas
públicas como a elaborada por ele. "Há, inclusive, a ideia de expandir o
projeto e criar mais hospitais em outras regiões da cidade. São
estimados cerca de 6 milhões de animais só em São Paulo. Não tenho
dúvidas de que essa política irá refletir no resto do País. Já tenho
contatos em Curitiba. Estou certo de que essa intenção vai se espalhar",
afirma o parlamentar.
De acordo com Wilson Grassi Júnior, conselheiro da Associação
Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo
(Anclivepa-SP), gestora do hospital, a necessidade da criação de
políticas públicas como essa é justificável a partir de três vertentes.
"A primeira diz respeito à eliminação do sofrimento dos animais que
estão doentes e sem nenhum tratamento. A segunda, em contrapartida, visa
à redução da angústia das pessoas, pois donos de animais enfermos que
não têm condições de pagar por um tratamento acabam sofrendo por ver o
bicho agonizar sem poder ajudá-lo", afirma. "A última é referente às
questões de saúde pública. Animais doentes são fontes de transmissão de
doenças", explica.
Secretarias municipais: ações de conscientização pela causa animal
A capital carioca foi a primeira a introduzir, em sua política
municipal, uma secretaria especial para cuidar dos animais. Criada em
2000, a Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais (SEPDA),
comandada atualmente por Luiz Gonzaga da Costa Leite, mantém atuantes
iniciativas como o programa de esterilização gratuita Bicho Rio, o
projeto para adoção Adotar é o Bicho!, o Centro de Proteção Animal e o
Programa de Educação Ambiental.
Seguindo a mesma linha, a Secretaria Especial de Defesa dos Animais
(Seda) de Porto Alegre, com pouco mais de um ano de existência, já conta
com diversas ações protetivas. Apenas entre 3 e 9 de agosto deste ano, a
Seda realizou 103 esterilizações, 117 vermifugações, 20 atendimentos
clínicos e cinco cirurgias.
A mais recente iniciativa da Seda é o lançamento da Frente
Parlamentar em Defesa dos Animais, em 16 de agosto. A ideia é mobilizar a
sociedade quanto aos projetos voltados à causa que estão em tramitação
no Parlamento gaúcho e na Câmara dos Deputados. O deputado estadual
Paulo Odone (PPS), que coordenará a frente, é autor, ainda, de um
projeto de lei que proíbe a utilização de cães como guardas, no Rio
Grande do Sul.
Bancos de sangue e o voluntariado
No Brasil, as principais instituições de ensino superior contam com
bancos de sangue animal nas faculdades de medicina veterinária.
Diariamente, como em seres humanos, são necessárias bolsas de reposição
sanguínea para viabilizar procedimentos médicos. Contudo, nem sempre o
serviço pode ser feito de maneira gratuita, por falta de verba destinada
para esse fim. "Há um custo, pois o governo não tem políticas que
garantam que esse serviço seja feito gratuitamente", explica a
veterinária responsável pela criação do banco de sangue animal da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciana Lacerda.
Luciana implementou o banco na Faculdade de Medicina Veterinária da
UFRGS há sete anos, pela necessidade de um local que analisasse a fundo
esse tipo de substância. Contudo, o banco foi fechado recentemente pela
falta de um profissional disposto a dar continuidade ao projeto, tendo
em vista a saída da veterinária. "Muito do investimento financeiro foi
feito por mim mesma", ressalta.
Redes sociais
Engajada na causa como Luciana, há pouco menos de um ano, Bruna Mendes
criou o projeto Open Bar Canino. Por meio das redes sociais, a jovem de
19 anos busca dar maior qualidade de assistência às principais ONGs
animais de Porto Alegre. Por meio da arrecadação de ração, cobertores e
roupinhas, ela dá condições às entidades destinarem forças para serviços
mais complexos, como atendimento médico veterinário, cuidados básicos
de saúde e medicamentos.
A estudante e a veterinária fazem parte de uma rede informal de
voluntários que procura suprir a necessidade de políticas públicas de
proteção e bem-estar dos animais na capital gaúcha. Esse tipo de
atividade faz parte da rotina de milhares de pessoas, em todo o País,
que acreditam nos animais como seres merecedores de melhores condições
de vida e de assistência governamental.
A Constituição Federal, em seu artigo 225, impõe à sociedade e ao
Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade
física desses seres, além de proibir práticas que os coloquem em risco
ou provoquem a sua extinção. "Os animais de estimação são os únicos
seres que dão todo o amor que têm e não pedem nada em troca, além de
transmitir uma felicidade incrível. É impossível alguém entrar em um
local que tem um cão abanando o rabo e não ficar feliz", afirma Bruna.
*Texpo publicado no Portal Terra, em 15 de agosto de 2012 -
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