terça-feira, 5 de maio de 2009

Com quantas malas se faz uma viagem?

“ Isso só pode ser algum tipo de praga! Perderam minha mala de novo?”. Os olhos já cansados por detrás das lentes multifocais insistiam em procurar na esteira de malas alguma bagagem familiar. “ Vô, como era mesmo a tua mala?”

Assim foi pra ele a sua segunda chegada na Europa. A segunda vez em menos de um ano. A segunda vez que ele mesmo prometeu a si próprio. A segunda de muitas.

Na saída do desembarque, o filho agora radicado em Londres o espera com um sorriso saudoso. “ Não acredito que perderam tua mala de novo, pai!”

No metrô, a caminho do hotel, tudo é novo mesmo sendo visto pela segunda vez. Os olhos procuram curiosos na relação de estações o local onde deve descer. “ Qual é essa estação mesmo?” No caminho, vai contando as novidades que trouxe do Brasil. “Me matriculei num curso de inglês. Vou estudar essa língua até morrer!”

Os mais de 70 anos em momento nenhum parecem colocar um ponto próximo de fim. O contrário é uma realidade. “Agora quero viajar, conhecer esse baita mundão.”

Ele não precisa se preocupar em como as rotas de trem funcionam, nem em que ônibus pegar pra ir pra casa do filho. A neta que o acompanha tem a função de facilitar ao máximo a viagem. Mas ele não quer! Almeja entender tudo a sua volta. Necessita mostrar sua juventude por detrás dos olhos já marcados pelos anos que deixou pra trás. “Dessa vez eu vou andar na Nonoai”. “É London Eye, Vô”. “ Eu sei, mas quando estive aqui ano passado a gente chamava de Nonoai!”

Para a neta, viajar com o avô era algo que parecia estranho. Mas, de repente, ela viu que a idade é algo que está apenas estampado nas rugas e sinais de velhice.

Londres passou como um tufão. London Eye, Big Bang, Parlamento, Galeria Nacional, Wallace Collection, Oxford Street, Leytonstone, Notting Hill, tudo!

No caminho percepções de um jovem de idade descobrindo o mundo diante de uma jovem descobrindo a vida. “ Tu tá pitando, guria?”. “ Vô, me ensina a fechar um cigarro?”. “ Bah, isso me lembra a época em que eu trabalhava na fazenda. Senta aqui que vou te ensinar a fazer um palheiro de verdade .”

A capital francesa surgiu como nas fotografias. Linda. Algumas dificuldades com a língua local e com a teimosia típica de quem já viveu bastante deparada com a de quem ainda está começando. Mas nada que pudesse estragar o momento. “ Vô, é pra lá que a gente tem que ir!”. “Não mesmo, é pra lá, guria!”.

Sacre Coeur, Torre Eiffel, Gallerie Lafayette, Champs Elysées! “ Vô, quero vir morar aqui, nem que seja pra trabalhar como faxineira.” E então, pensamentos que antes eram tidos como convicções aos poucos foram mudando. Para ele um diploma ainda é algo importante, mas não mais do que conhecer o mundo e ser feliz, da forma que for. “Então vem, ué! Tá esperando o que?”

Os dias passaram sem dó. Porém, aproveitados ao máximo, com tudo o que se tem direito. Juntos, o avô que descobria o mundo e a neta que descobria o avô, viram como essa relação familiar pode ser aproveitada de forma única. “ Onde é que aperta pra bater a foto mesmo?” Nem mesmo os diferenciais físicos adquiridos com a idade puderam afetar algo que se tornava sólido e incrível. “ Ai, Deus, como ronca essa criatura.”

Nada poderia estragar aquele momento. Sensação única de estar vivo e de romper com todas as barreiras. Sensação de ser jovem outra vez e de viver como nunca!

E a mala? Bom, a mala era o que menos importava, pois a bagagem adquirida durante aqueles dias não caberia nem em todas as bolsas do mundo.