sexta-feira, 29 de junho de 2012

Quando educar é a única solução

Na última terça-feira, uma briga entre dois estudantes da Escola Ivo Bühler (Ciep) chamou a atenção para a gravidade da violência escolar em Montenegro. Um aluno de 13 anos apertou o pescoço do colega de 12 até o jovem desmaiar. O agressor só cessou o estrangulamento através da intervenção de uma monitora da escola. Mesmo assim, o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) precisou ser acionado para remover o estudante agredido para o Hospital de Montenegro (HM).
Muitos pais podem pensar que se trata de um caso isolado, porém, a realidade aponta para um aumento considerável nos casos de comportamento agressivo nas escolas. Coincidência ou não, na sexta-feira da semana anterior, um incêndio atingiu um depósito da Escola Estadual Delfina Dias Ferraz. No texto publicado pelo Jornal Ibiá consta que, apesar de a direção não ter feito acusações quanto à autoria, no momento do fato houve suspeitas de que se tratasse de um sinistro proposital.
No entanto, esses são apenas exemplos de episódios noticiados pela mídia. Diariamente, os professores presenciam atitudes dos jovens que abrem a discussão sobre as causas e as consequências da violência escolar.
Durante dois dias, o Colégio Estadual Paulo Ribeiro Campos recebeu o Comitê Comunitário de Prevenção à Violência nas Escolas (Copreve) para a realização do curso de formação de mediadores de conflitos no ambiente escolar. A iniciativa é da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e tem como proposta diagnosticar as principais formas de violência e conflitos nas instituições de ensino de diversas cidades do Rio Grande do Sul e preparar a docência para combatê-la. Representantes de todo os educandários estaduais do município estiveram presentes, assim como a Guarda Civil e o Conselho Tutelar. Dentro das 38 cidades abrangidas pela 2ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Montenegro, Taquara, São Leopoldo e Novo Hamburgo foram as escolhidas para capacitar os professores como mediadores de conflitos no ambiente escolar. De acordo com a responsável pela temática de mediação à violência da 2ª CRE, Noemi Antonio Maria, a seleção das cidades foi feita através de um levantamento prévio de onde havia maior incidência de situações de conflito.

Primeiro dia apontou principais problemas
Num primeiro momento, os cerca de 20 participantes do curso de formação se dividiram em três grupos. Cada equipe foi incumbida de listar os dez principais tipos de violência escolar mais incidentes, além de mencionar os fatores geradores de cada um e os métodos utilizados para lidar com as situações descritas dentro da sala de aula, no ambiente escolar e no entorno das instituições, respectivamente.
Após debaterem entre si, cada grupo apresentou suas constatações e exemplificou com fatos recorrentes nas escolas onde atuam. Dentre os tópicos listados, os docentes mencionaram vandalismo, mau uso de mídias sociais, brincadeiras violentas, assédio sexual, agressão verbal, desrespeito aos funcionários e bullying como algumas das situações frequentes nas escolas estaduais de Montenegro. As causas são atribuídas a diversos fatores, entre eles, à banalização das relações, sensação de impunidade, despreparo do professor, ausência de valores, baixa autoestima do aluno e drogas.
Contudo, os métodos utilizados para solucionar os problemas não parecem ter acompanhado o crescimento e a gravidade que a violência escolar atingiu na atualidade, além de não terem mais a mesma eficácia que tinham antigamente.

Falta preparação aos docentes
 Um dos temas levantados pelos professores foi a questão das universidades não formarem mestres preparados para enfrentar a realidade que se faz presente nas escolas. Uma das participantes comparou a formação pedagógica obtida no antigo magistério (hoje chamado Curso Normal) com as atuais licenciaturas. “É visível a falta de técnicas dos novos que, muitas vezes, não têm conhecimento nenhum a respeito da realidade que seus alunos vivem”, destacou.
Nesse contexto, ela lembrou de um caso onde um aluno foi espancado na rua porque se negou a vender drogas dentro da escola. “Tem situações em que eles têm mesmo que esconder de todos porque não sabem qual será a reação dos colegas, nem da instituição. E se isso viesse à tona na escola? Até que ponto a repercussão não prejudicaria esse aluno ao invés de ajudar”, questionou. De fato, uma situação incide sobre a outra, gerando a necessidade de preparo do professor diante dos diferentes contextos que podem aparecer.

 Governo investe em ações de prevenção
O assessor técnico do gabinete do Seduc e coordenador do programa de mediação de conflitos escolares no Estado, Júlio Alejandro Quezada Jelvez, explica que, desde o ano passado, a Secretaria de Educação desenvolve o programa de prevenção à violência nas escolas com várias temáticas, entre elas, a mediação de conflitos. “Para o ano que vem, queremos trazer o curso para alunos também, com a proposta de preparar estudantes para serem mediadores de situações de tensão”, explica. A ideia é prevenir a violência nas escolas em geral, visto que, além de todos os problemas mencionados, não são raros os casos de agressões a professores.
E, de fato, é a medida mais eficaz existente, apesar de ter efeito apenas a longo prazo. Em matéria publicada em março pelo Jornal Ibiá, os projetos de lei que visam proteger a docência da violência escolar foram listados. Todos eles encontram-se parados ou em tramitação. Alguns, há mais de um ano, deixando os professores em verdadeira situação de desamparo.
De acordo com uma das participantes, cursos como o de mediação de conflitos são uma necessidade para quem leciona hoje em dia. “Estamos vivendo outros tempos, e não são bons. Temos que aprender a lidar com essas coisas. Tem semanas em que a escola parece uma delegacia de tantas ocorrências que aparecem”, desabafa. “A escola deve ser de qualidade para que não precisemos de presídios de segurança máxima”, completou o representante da Guarda Civil.


*Matéria publicada no Jornal Ibiá (Montenegro -RS) de 29 de junho de 2012. Matéria com fotos aqui.

A vida só vale o que se faz de bom

Toda vez que recebo uma pauta sobre a história de vida de uma pessoa, procuro me preparar. Não sei bem o motivo dessa mania, afinal, nunca sei o que vou ver. Acho que o legal de ser jornalista é isso. Nunca saber o que vem pela frente. Com o Seu Mariano não foi diferente. Eu só sabia que deveria visitar um senhor que escrevia poemas. Jamais poderia imaginar que me depararia com uma pessoa capaz de dar uma lição de vida em um encontro de pouco mais de uma hora. A história do poeta de 71 anos comove. Comove pelo amor à escrita e à literatura. Pela forma como conseguiu manter-se escrevendo durante quase toda a vida sem perspectiva de reconhecimento.

Um fato contado por ele que me marcou muito foi a história de quando foi colunista de um jornal. Seu Mariano lembrou que uma vez foi pedido para escrever sobre uma temática que considerou ruim. Algo como violência ou coisa do gênero. Ele conta que se negou a fazer por não ter interesse em disseminar mensagens que não fossem boas. Um pouco antes ele mencionou um episódio em que, quando jovem, escrevera uma décima sobre uma enchente que atingiu Candelária e fora reprimido pelos irmãos. “Coisa negativa não se passa pros outros”, disseram na ocasião. Uma filosofia que levou por toda a vida.

Pedi alguns poemas pra colocar na matéria e recebi a negativa acompanhada da explicação de que os grandes jornais não têm interesse em publicar esse tipo de coisa. Que o que gera leitores é a tragédia, o assalto, a morte. Naquele momento, pensei no quanto eu gosto de literatura e no quanto apreciaria ver um texto legal com uma história bacana como a de Seu Mariano. Pensei nisso como leitora mesmo e não como jornalista. Falei pra ele que os jornais têm o objetivo de informar - seja a notícia boa ou ruim – e que, mais do que isso, os veículos de comunicação são uma forma de mostrar que não somos os únicos, que nossas rotinas são parecidas e que muito do que é importante pra nós, também é importante pra muitos. Mais do que a informação, as pessoas buscam identificação com tudo o que é noticiado. Além disso, mostrar histórias como a dele são uma forma de fugir das "matérias que dão audiência", para dar espaço às que dão certeza de que é possível ser feliz.   


* Texto publicado na seção "Blog da Redação", no site do Jornal Ibiá (Montenegro-RS) em 26/06/2012, referente ao texto O Poeta do Faxinal.

O Poeta do Faxinal

Uma pequena sala repleta de papel e coleções. Mais papel do que qualquer outro material. Entre os clássicos da literatura, pilhas de folhas classificadas por nomes de cidades. Municípios pelos quais passou. Locais que viu, viveu e o inspiraram. Nas prateleiras, de um lado, inúmeros porta-lápis. De outro, os chaveiros que também coleciona. Ali, naquela sala, a vida de seu Mariano está registrada em poemas e canções. Cerca de 6 mil. Todos escritos por ele ao longo dos 71 anos que carrega nas costas.
Em cima da escrivaninha, a inseparável máquina de escrever. E dentro do bolso, o bloquinho e a caneta que carrega consigo desde que começou a colocar no papel o que vê e o que sente, aos 17 anos. Ites Alves Mariano é morador do bairro Faxinal, em Montenegro. É funcionário público aposentado, pai de seis filhos, vô de oito netos e poeta. “Por onde eu ando, escrevo o que vejo. Qualquer coisa pode se tornar inspiração”, explica. Vindo de uma família de dez filhos, do interior de Candelária, ele conta que começou a tocar violão por influência dos irmãos, que se inspiravam na música sertaneja da época, como Tonico e Tinoco. “A gente cantava sobre a natureza. Sou muito ligado a ela”, diz. Deixou a terra natal para estudar, passou no concurso público que lhe garantiu a função de oficial escrevente, e escreveu. Ao todo, são 26 livros, com poemas em prosa e verso, e mais as canções. “Tudo é uma opção de vida. Eu queria estudar”, conta.
Sentado no sofá de sua casa, Mariano tem o olhar fixo e explica que falar sobre sua vida é como reviver um pouco de todo aquele passado. Entre um episódio e outro, os versos vem naturalmente, como que num passe de mágica, e se tornam parte da história do poeta do Faxinal: “Para mim, as estrelas do céu são as flores do chão. Quantos são os que pisam em nós?”, reflete.

Quando a inspiração faz parte da vida, nas coisas boas e ruins
Em 1961, uma enchente castigou Candelária de tal forma que a chuva chegou a levar algumas casas pra dentro do rio local. Seu Mariano conta que a tragédia chamou tanto sua atenção que o inspirou. “Escrevi uma décima. Meus irmãos me mandaram rasgar. Diziam que coisa negativa não se passa pros outros”, lembra. Ainda assim, continuou a registrar o que via com seu olhar refinado. Nem mesmo um velório passou despercebido. “Me xingaram dizendo que não era lugar para fazer aquilo. Fui para o banheiro e terminei o poema lá”, conta. Pouco tempo depois, a família do tal falecido recebeu os versos e mandou publicar no jornal, como homenagem ao ente querido perdido. Um momento de trabalho reconhecido.
Quando saiu de Candelária e foi para Santa Cruz do Sul estudar, levou consigo um violão, que, mais tarde, trocou por uma bicicleta velha. “Acho que foi aí que comecei a escrever de vez. Eu lembrava das minhas origens e escrevia algumas poesias”, emociona-se.

“A vida só vale o que se faz de bom”
Quando tinha em torno de 15 anos, em Santa Cruz do Sul, seu Mariano trabalhava nas fábricas de dia e estudava de noite. Alguns anos mais tarde, alcançou sua meta de se tornar funcionário público e mudou-se para Porto Alegre. Em 1980, veio transferido para Montenegro, onde chegou a escrever para alguns jornais locais, como colunista. Em seu acervo, canções sobre o município fazem parte dos textos que constituem sua obra. “Me considero montenegrino por adoção”, afirma. Passou por Capão da Canoa, voltou à Santa Cruz, escreveu para mais alguns jornais, se aposentou e voltou para cá há cerca de cinco anos, onde se sente acolhido - coincidência ou não, na Cidade das Artes.
Alguns episódios tristes marcam sua trajetória como escritor, mas nada que o faça perder a inspiração. “Eu cuido dos passarinhos, toco meu violão, leio e escrevo para passar o tempo”, comenta. Seu Mariano se considera feliz. Diz que acha que a vida não lhe reserva muito mais, mas que tudo o que planejou pra ele foi alcançado. Na sua salinha repleta de lembranças e histórias, ele se realiza a cada poema e segue escrevendo. “A vida só vale o que se faz de bom”, termina.


*Matéria publicada no Jornal Ibiá (Montenegro -RS) de 26 de junho de 2012. Matéria com foto aqui.