sexta-feira, 17 de julho de 2009

Pequena reflexão biológica

Confesso que, quando informada a respeito do evento, ignorantemente me questionei: “Crítica Genética? O que diabos?”. Imaginei algo relativo à biologia, ciências médicas ou algo do gênero. Eis que, para minha surpresa, a II Jornada Internacional de Crítica Genética era muito mais do que o esperado. E o melhor, nada tinha a ver com as áreas biológicas.
Foram dois dias de exposições a respeito do estudo da genética literária. Sim. Literária. Estudos sobre o processo de construção de um produto final: um poema, um livro ou uma crônica. De uma forma indireta, passei a olhar os acervos como uma grande célula e, em seu estudo interno, cada estrutura era desmistificada como antigamente em meus tempos de colégio.

Prof.Dr. Carlos Reis, com seu sotaque inconfundível, explanou, com a maestria já esperada, sobre a consciência da escrita. Seria, na minha analogia biológica, o papel da mitocôndria ou, ainda assim, a respiração celular. Falo em respiração por ser algo incontrolável e involuntário, como penso que, muitas vezes, constitua o ato de criar ou, ainda, de perceber o momento da criação. Os autores mencionados, ao analisarem a forma como produziam seus textos, terminavam por perceber que, muitas vezes, o ato de escrever, fluía como um pensamento dito em voz alta. Uma reflexão. Às vezes, um reflexo tão interno que saía meio sem jeito, parecendo sem sentido, no entanto revelador: “Aquilo que escrevi como autor de mim”, como escreveu Sophia de M.B.Andressen.
O professor Reis trouxe muitos exemplos, desde Miguel Torga até Almeida Garret e Camões. Todos eles exemplos de como a consciência da escrita está presente em quem produz formas literárias.

A Casa de Rui Barbosa veio pra mim como o Complexo de Golgi de uma célula eucariótica. Segundo livros conceituais, a organela funciona como uma espécie de sistema central de distribuição na célula atuando como centro de armazenamento, transformação, empacotamento e remessa de substâncias. Não poderia ter uma definição melhor. A representante da Instituição, Profa. Dr. Eliane Vasconcelos, mostrou a Casa de Rui Barbosa como uma verdadeira central de acervos, na qual os mesmos são armazenados, organizados, estudados e depois disponibilizados para pesquisa. Curiosidades reveladoras e, resultados de alguns estudos, mostraram o potencial intelectual dos pesquisadores e dos gerentes que levam a instituição. Eliane Vasconcelos ainda relatou os obstáculos oferecidos por algumas famílias detentoras dos acervos e outras que, por sua vez, facilitaram o processo de disseminação da informação e do estudo.

As mesas com os Coordenadores dos Acervos foram úteis para elucidar o trabalho desenvolvido no Delfos. Confesso ter sentido a falta do Prof. Dr. Antônio Hohlfeldt, que muito teria dito sobre a pesquisa em Comunicação Social, hoje quase invisível diante dos jovens acadêmicos. Os demais professores, todos merecidamente qualificados, ofereceram informações sobre os processos de pesquisa e constituição dos trabalhos desenvolvidos no sétimo andar da Biblioteca Central da PUCRS, no Delfos.

O cronograma do segundo dia deixou-me ansiosa pela continuidade do evento. A plenária com os membros da ANPOLL, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Lingüística, não podia ter sido mais promissora. O depoimento do tradutor italiano que, infelizmente, me foge à memória, deixou-me extasiada com as dificuldades enfrentadas no próprio meio de pesquisa por esses profissionais tão importantes. Creio que eu mesma tenha chegado a dar pouca ou até mesmo mínima importância aos tradutores como autores. Todavia, aprimorei minha opinião e, hoje, sinto-me mais justa e repleta de argumentos para impor os valores desses profissionais no meu meio de atividades. A bolsista de pós graduação que relatou suas aventuras no mundo de Caio Fernando Abreu, abriu portas e janelas para nós, bolsistas iniciantes. Era visível um prazer incomensurável nas palavras por ela proferidas, enquanto contava os causos e percalços ocorridos durante a pesquisa ainda inacabada.

E assim, entramos tarde adentro com a mesa de autores e seus documentos de processo. Os Prof Assis Brasil e René Gertz que me perdoem, mas a palestra mais esperada pela maioria dos bolsistas era, sim, a do Prof. Carlos Gerbase. E não deixou nada a desejar. O mundo do cinema até então aparentemente distante do mundo literário da crítica genética, imergiu na idéia principal do evento e trouxe casos pra lá de interessantes sobre direito autoral, reprodução de obras para outros meios e técnicas cinematográficas. As perguntas não cessavam um minuto. Todos pareciam querer saber mais e mais sobre esse meio de estudo ainda restrito.

O encerramento deixou um gostinho bom. Uma vontade de ir além. Lembro-me de ter comentado em casa que, se eu ainda tinha alguma dúvida a respeito do que eu queria fazer da minha vida, esta já não existia mais. E, da Crítica Genética, que nada tinha a ver com a biologia, restou as minhas próprias organelas, sendo o Delfos meu Complexo de Golgi, o jornal Movimento meu núcleo, a crítica genética minha mitocôndria e eu, por fim, um pequeno fagossomo, me alimentando de tudo o que essa grande célula chamada pesquisa pode me proporcionar.

*Texto referente a II Jornada Interncional de Crítica Genética, realizada na PUCRS nos dias 2 e 3 de julho de 2009