sábado, 25 de outubro de 2008

Tensão Pré - Falência Iminente

Estou aqui porque sou uma péssima administradora! Não há dúvidas. Mais cedo ou tarde vou falir. O maquinário é relativamente simples, todavia a matéria prima está em falta. A produção caiu consideravelmente. O estoque está no fim. Sem auto-suficiência do combustível, entrarei no vermelho.
A coisa funciona da seguinte maneira: injeta-se a matéria prima no maquinário e a produção em série se dá como consequência. O problema é que o combustível é produzido pela própria fábrica e, essa máquina que o produz simplesmente nunca engrenou muito bem. Não sei, ao certo, qual é o problema. Pode ser lubrificação, engrenagem, balanceamento. De fato muitos especialistas buscam essa resposta. Nenhum soube me dizer.

Ah sim! Você quer saber do lucro!

Isso é totalmente abstrato. Não há vendas. O produto é o próprio lucro.

O quê? Não entendeu? Tá! Vou tentar de novo.

Tudo se desenrola a partir da tal de serotonina. Ela é o combustível, o fluido principal, a fonte do processo.

Sim, sim. É ela a matéria prima.

A maioria das empresas produz isso em escala quase mundial. Mas meu maquinário desse setor já veio meio estragado de fábrica. Com isso não consigo gerar o lucro, o qual muitos denominam auto-estima.
Esse produto, por incrível que pareça, é a propulsão da empresa. Ele motiva uma série de processos que desencadeiam a produção da serotonina. Sem ele não há combustível, o que por sua vez, não permite a geração do lucro, ou auto-estima.
A fábrica de auto-estima, assim como a de serotonina, ficam no mesmo lugar. No último andar. As pessoas têm medo de entrar lá. Dizem que só eu consigo ficar muito tempo ali sem levar um choque. A engenhoca tem grandes descargas elétricas. Talvez por isso não funcione muito bem.
Essa crise me pegou totalmente desprevenida. Queda da bolsa, sobe e desce da moeda. Eu vinha conseguindo administrar bem a produção, mesmo com minha fábrica de serotonina quase parando. Procurei consultores que me falaram de algumas possíveis soluções. Venho tentando algumas delas. Todavia creio que o único jeito seja mesmo trocar o maquinário desse setor. Com isso, entrei em contato com a empresa que produziu a máquina e, para minha surpresa, disseram-me que isso seria impossível.
Ando levando como tem estado ao meu alcance. Me indicaram uns químicos que têm surtido um efeito considerável. Entretanto, é só piscar os olhos que tudo parece desandar de novo.

Isso mesmo!! É cíclico. Bom que entendeste!

Foi por isso que resolvi vir aqui hoje. Estou com medo de que minha empresa tenha que atestar falência. Sem ela é impossível viver!! Ela é, literalmente, meu sustento.
Com a crise dos últimos dias comecei a ficar muito nervosa. Por isso te procurei.

Que bom que podes me ajudar! Como? O que está dizendo? Simples assim?

Hmmm. Estou começando a entender. Transformar o que está estragando a produção de auto-estima em algo que tenha o efeito inverso.
É óbvio! É claro! Como não pensei nisso antes? Isso é que é empreendedorismo!!
Obrigada Grande Irmão! Eu sabia que você ia me surpreender!


domingo, 19 de outubro de 2008

Apagaram a Luz

Uma descarga elétrica. Aliás, muitas. Uma massa de quase ou mais de um quilo disparando descargas elétricas por todos os seus cantos. Faz-se a luz. A idéia parece aceitável e vai sendo transmitida pelas sinapses nervosas à todas as "caixas luminosas" do cérebro. Como se fossem advogados, os neurônios vão estimulando a produção de possibilidades. Persuadindo. Convencendo uns aos outros. Alguns poucos relutam, mal têm a chance de se pronunciar. Foram todos dominados.
O coração dispara. A respiração fica tensa, curta. A decisão foi tomada! Neurônios, embebidos em algo consistente, foram mais fortes. Eletricidade pura. Irreversível. Irredutível.
A partir daí tudo são reflexos da lógica produzida pela idéia inicial. Não existe mais razão, nem família, nem sociedade, nem consequências. Somos só você e eu.
Vá rapaz! O que espera? Cadê todo aquele amor que você dizia sentir? Vai deixar assim? Vai se permitir ficar sem ela?

Reflexos inicias. Braços e pernas começam a se mexer.

Vamos!! Convença-a de que você a ama, de que não pode ficar sem ela!! Vamos!!

O barulho das sinapses é ensurdecedor! Eles gritam, mandam, ordenam!

Se for preciso ameace, mas não cogite a possibilidade de sair de lá sem que ela seja sua novamente! Olha tudo que passaram juntos! Perceba como eram felizes!
Leva aquela arma, pode ser necessário! Munição também!

Atividade cerebral racional nula.

Os reflexos seguintes são mecânicos. Não há argumentos. Não há diálogo compreensível.
Passam-se 10, 12, 15, 18 horas. Ela está irredutível.

Não permita que ela vá embora antes de se resolver a seu favor!!! Você não é capaz de viver sem ela!!

Mais 24, 48, 56 horas. Desespero.

Não é possível que ela não te ame mais!! Foram quase três anos!! Tu sabe que é o cara ideal pra ela!! Ela que não está conseguindo enxergar isso!!

Mais 64, 76, 98 horas. Inconformidade.

Quer saber? Ou é tu, ou não é nada!!

Um tiro.

Cara!! O que tu fez??

Na ponta do projétil, a rota. Toda a eletricidade produzida por aqueles neurônios contida naquela cápsula de metal. A bala penetra. Quente. Fumegante. Células cerebrais jovens sendo dizimadas pelo caminho. Tudo começa a ficar escuro. De repente, apagaram a luz.

* Texto baseado no sequestro ocorrido em Santo André em Outubro de 2008.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A Teoria da Terapia no Coletivo

Sou usuária ferrenha dos transportes coletivos. Seja por opção ou não, a realidade é que eles desempenham uma tarefa pra lá de importante perante a sociedade, e não é só o fato de transportar.
Gosto de sentar na janela. Ver a paisagem enquanto o ônibus faz sua rota. Mola propulsora de memórias e pensamentos. Pensamentos diversos, meus. Intimamente meus. Os outros passageiros acomodados nas janelas parecem sofrer da mesma ação. Estão todos absortos em suas mentes. Vidrados na rua que parece se mexer diante de seus olhos. Podem não estar tendo um raciocício lógico, mas estão ali. Submersos em seus momentos de reflexão. Alguns vão tão longe que acabam no auge do relaxamento. Dormem. E de seus pensamentos só restam a marca de seus cenhos impressos no vidro. As janelas são sempre os primeiros lugares a serem preenchidos.
A moça ao meu lado lê. Está longe dali. Em seu rosto expressões vão se formando. Um leve sorriso. Uma franzida de testa. Efeitos de uma engenhoca de papel.
Entretanto, não há duvidas de que a porta mais utilizada para dar início à terapia no coletivo são os fones de ouvido. Seja lá o que escutam, seus usuários estão sempre flutuando na atmosfera de outro planeta. Uma realidade paralela com trilha sonora. Um mundo só e exclusivamente seu.
Ninguém se olha dentro do ônibus. Parecem ter medo de serem descobertos em seus caminhos internos. Máscaras de indiferença. Cada um em seu próprio momento. Silêncio no coletivo.
O cobrador não escapa ao processo. Comenta com o motorista uma proposta para guiar carretas. ' Meu amigo disse que é só eu ligar que me contratam. Assim, no ato. Dois e meio por mês mais gratificação". Passa uns bons 30 minutos monologando sobre a possibilidade. Exalta suas qualidades e deixa bem claro que basta ele querer. O motorista ouve calado. Papel de terapeuta é escutar.
Alguém se levantou. A luz "parada solicitada" acendeu. Algumas pessoas olham a movimentação interna no ônibus; outros não conseguem voltar à tona de seus pensamentos. O freio geme. A porta se abre. Para mais um, o tempo acabou. Alguém desce. Desce de volta à realidade. Desce de volta ao mundo que só estava esperando mais uma sessão terminar.


terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Criador e a sua Engenhoca

A idéia foi minha, todavia, quem me motivou a colocá-la em prática foi o conselheiro Aires. Um amigo dele deixou o diário na estante do meu quarto. Fiquei curiosa. Peguei-o pra ler. O conselheiro é realmente um cara culto. Impressões, anotações e observações de uma época distante, 1800 e alguma coisa. Tudo ali, registrado em folhas de papel.
Aires tem se mostrado um verdadeiro engenheiro. Articula palavras como engrenagens, planeja as sentenças com cautela e sabe onde deve lubrificar o parágrafo para que o conjunto se desenrole propiciamente sem os irritantes "inhécs inhécs". Não há falhas. Vírgulas e pontos são seus parafusos, porcas e pregos. Tudo em seu devido lugar. A inspiração é o combustível que faz a engenhoca funcionar. Uma engenhoca de papel.
O conselheiro Aires me motivou. O amigo que deixou o livro na estante também. Um tal de Machado de Assis. Agora quero ter o meu próprio maquinário e colocar nele minhas percepções do mundo lá fora. Tudo lá de fora bem aqui dentro. Aqui dentro pra todo mundo ver. O mundo visto por mim, lubrificado com o meu melhor óleo. Todas as peças no seu devido lugar. Tudo registrado na minha engenhoca de papel.