domingo, 19 de outubro de 2008

Apagaram a Luz

Uma descarga elétrica. Aliás, muitas. Uma massa de quase ou mais de um quilo disparando descargas elétricas por todos os seus cantos. Faz-se a luz. A idéia parece aceitável e vai sendo transmitida pelas sinapses nervosas à todas as "caixas luminosas" do cérebro. Como se fossem advogados, os neurônios vão estimulando a produção de possibilidades. Persuadindo. Convencendo uns aos outros. Alguns poucos relutam, mal têm a chance de se pronunciar. Foram todos dominados.
O coração dispara. A respiração fica tensa, curta. A decisão foi tomada! Neurônios, embebidos em algo consistente, foram mais fortes. Eletricidade pura. Irreversível. Irredutível.
A partir daí tudo são reflexos da lógica produzida pela idéia inicial. Não existe mais razão, nem família, nem sociedade, nem consequências. Somos só você e eu.
Vá rapaz! O que espera? Cadê todo aquele amor que você dizia sentir? Vai deixar assim? Vai se permitir ficar sem ela?

Reflexos inicias. Braços e pernas começam a se mexer.

Vamos!! Convença-a de que você a ama, de que não pode ficar sem ela!! Vamos!!

O barulho das sinapses é ensurdecedor! Eles gritam, mandam, ordenam!

Se for preciso ameace, mas não cogite a possibilidade de sair de lá sem que ela seja sua novamente! Olha tudo que passaram juntos! Perceba como eram felizes!
Leva aquela arma, pode ser necessário! Munição também!

Atividade cerebral racional nula.

Os reflexos seguintes são mecânicos. Não há argumentos. Não há diálogo compreensível.
Passam-se 10, 12, 15, 18 horas. Ela está irredutível.

Não permita que ela vá embora antes de se resolver a seu favor!!! Você não é capaz de viver sem ela!!

Mais 24, 48, 56 horas. Desespero.

Não é possível que ela não te ame mais!! Foram quase três anos!! Tu sabe que é o cara ideal pra ela!! Ela que não está conseguindo enxergar isso!!

Mais 64, 76, 98 horas. Inconformidade.

Quer saber? Ou é tu, ou não é nada!!

Um tiro.

Cara!! O que tu fez??

Na ponta do projétil, a rota. Toda a eletricidade produzida por aqueles neurônios contida naquela cápsula de metal. A bala penetra. Quente. Fumegante. Células cerebrais jovens sendo dizimadas pelo caminho. Tudo começa a ficar escuro. De repente, apagaram a luz.

* Texto baseado no sequestro ocorrido em Santo André em Outubro de 2008.

3 comentários:

Luana Duarte Fuentefria disse...

nathália! que trágica!!!
muito boa a narrativa. gostei mesmo! mas angustiante e triste...

gustavo_ disse...

holla, pithan! não consegui ler todos os teus posts ainda, mas achei muito legal o primeiro, da engenhoca. mais uma ligação literária entre nós: a blogosfera! a outra acho que são os livros muito especiais que tu me deu; e a outra, a caricatura do garcía márquez que está no meu mural.
beijos

Marco Leonardelli Lovatto disse...

Natália,

Depois de 3 meses li o resto do teu blog. Essa tua descrição está fantástica. Fico impressionado com a tua maneira de desenvolver teus pensamentos... de publicar teus pensamentos. Li 3 meses depois desse incidente, que me machucou muito no dia. Vi ao vivo a invasão dos policiais. Não conseguia estudar depois. Eu me sentia fraco, inútil, e também vítima. Eu estava espancando até a morte o teu personagem.
Lendo, agora, 28 de janeiro de 2009, me surpreendi com o objeto do relato. Depois de dúvidas: surpresa! Teu objetivo.
Maldito Grilo Falante! Às vezes ele não faz o dever de casa...