quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A Teoria da Terapia no Coletivo

Sou usuária ferrenha dos transportes coletivos. Seja por opção ou não, a realidade é que eles desempenham uma tarefa pra lá de importante perante a sociedade, e não é só o fato de transportar.
Gosto de sentar na janela. Ver a paisagem enquanto o ônibus faz sua rota. Mola propulsora de memórias e pensamentos. Pensamentos diversos, meus. Intimamente meus. Os outros passageiros acomodados nas janelas parecem sofrer da mesma ação. Estão todos absortos em suas mentes. Vidrados na rua que parece se mexer diante de seus olhos. Podem não estar tendo um raciocício lógico, mas estão ali. Submersos em seus momentos de reflexão. Alguns vão tão longe que acabam no auge do relaxamento. Dormem. E de seus pensamentos só restam a marca de seus cenhos impressos no vidro. As janelas são sempre os primeiros lugares a serem preenchidos.
A moça ao meu lado lê. Está longe dali. Em seu rosto expressões vão se formando. Um leve sorriso. Uma franzida de testa. Efeitos de uma engenhoca de papel.
Entretanto, não há duvidas de que a porta mais utilizada para dar início à terapia no coletivo são os fones de ouvido. Seja lá o que escutam, seus usuários estão sempre flutuando na atmosfera de outro planeta. Uma realidade paralela com trilha sonora. Um mundo só e exclusivamente seu.
Ninguém se olha dentro do ônibus. Parecem ter medo de serem descobertos em seus caminhos internos. Máscaras de indiferença. Cada um em seu próprio momento. Silêncio no coletivo.
O cobrador não escapa ao processo. Comenta com o motorista uma proposta para guiar carretas. ' Meu amigo disse que é só eu ligar que me contratam. Assim, no ato. Dois e meio por mês mais gratificação". Passa uns bons 30 minutos monologando sobre a possibilidade. Exalta suas qualidades e deixa bem claro que basta ele querer. O motorista ouve calado. Papel de terapeuta é escutar.
Alguém se levantou. A luz "parada solicitada" acendeu. Algumas pessoas olham a movimentação interna no ônibus; outros não conseguem voltar à tona de seus pensamentos. O freio geme. A porta se abre. Para mais um, o tempo acabou. Alguém desce. Desce de volta à realidade. Desce de volta ao mundo que só estava esperando mais uma sessão terminar.


3 comentários:

Luana Duarte Fuentefria disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luana Duarte Fuentefria disse...

aqui em BsAs interessante é o metrô.
mas nada como um ônibus porto-alegrense.

e seja bem-vinda a esse mundo, nati!

Marco Leonardelli Lovatto disse...

Per-fei-ta-men-te descrito. Eu sou personagem do teu relato, um passageiro.