sexta-feira, 29 de junho de 2012

O Poeta do Faxinal

Uma pequena sala repleta de papel e coleções. Mais papel do que qualquer outro material. Entre os clássicos da literatura, pilhas de folhas classificadas por nomes de cidades. Municípios pelos quais passou. Locais que viu, viveu e o inspiraram. Nas prateleiras, de um lado, inúmeros porta-lápis. De outro, os chaveiros que também coleciona. Ali, naquela sala, a vida de seu Mariano está registrada em poemas e canções. Cerca de 6 mil. Todos escritos por ele ao longo dos 71 anos que carrega nas costas.
Em cima da escrivaninha, a inseparável máquina de escrever. E dentro do bolso, o bloquinho e a caneta que carrega consigo desde que começou a colocar no papel o que vê e o que sente, aos 17 anos. Ites Alves Mariano é morador do bairro Faxinal, em Montenegro. É funcionário público aposentado, pai de seis filhos, vô de oito netos e poeta. “Por onde eu ando, escrevo o que vejo. Qualquer coisa pode se tornar inspiração”, explica. Vindo de uma família de dez filhos, do interior de Candelária, ele conta que começou a tocar violão por influência dos irmãos, que se inspiravam na música sertaneja da época, como Tonico e Tinoco. “A gente cantava sobre a natureza. Sou muito ligado a ela”, diz. Deixou a terra natal para estudar, passou no concurso público que lhe garantiu a função de oficial escrevente, e escreveu. Ao todo, são 26 livros, com poemas em prosa e verso, e mais as canções. “Tudo é uma opção de vida. Eu queria estudar”, conta.
Sentado no sofá de sua casa, Mariano tem o olhar fixo e explica que falar sobre sua vida é como reviver um pouco de todo aquele passado. Entre um episódio e outro, os versos vem naturalmente, como que num passe de mágica, e se tornam parte da história do poeta do Faxinal: “Para mim, as estrelas do céu são as flores do chão. Quantos são os que pisam em nós?”, reflete.

Quando a inspiração faz parte da vida, nas coisas boas e ruins
Em 1961, uma enchente castigou Candelária de tal forma que a chuva chegou a levar algumas casas pra dentro do rio local. Seu Mariano conta que a tragédia chamou tanto sua atenção que o inspirou. “Escrevi uma décima. Meus irmãos me mandaram rasgar. Diziam que coisa negativa não se passa pros outros”, lembra. Ainda assim, continuou a registrar o que via com seu olhar refinado. Nem mesmo um velório passou despercebido. “Me xingaram dizendo que não era lugar para fazer aquilo. Fui para o banheiro e terminei o poema lá”, conta. Pouco tempo depois, a família do tal falecido recebeu os versos e mandou publicar no jornal, como homenagem ao ente querido perdido. Um momento de trabalho reconhecido.
Quando saiu de Candelária e foi para Santa Cruz do Sul estudar, levou consigo um violão, que, mais tarde, trocou por uma bicicleta velha. “Acho que foi aí que comecei a escrever de vez. Eu lembrava das minhas origens e escrevia algumas poesias”, emociona-se.

“A vida só vale o que se faz de bom”
Quando tinha em torno de 15 anos, em Santa Cruz do Sul, seu Mariano trabalhava nas fábricas de dia e estudava de noite. Alguns anos mais tarde, alcançou sua meta de se tornar funcionário público e mudou-se para Porto Alegre. Em 1980, veio transferido para Montenegro, onde chegou a escrever para alguns jornais locais, como colunista. Em seu acervo, canções sobre o município fazem parte dos textos que constituem sua obra. “Me considero montenegrino por adoção”, afirma. Passou por Capão da Canoa, voltou à Santa Cruz, escreveu para mais alguns jornais, se aposentou e voltou para cá há cerca de cinco anos, onde se sente acolhido - coincidência ou não, na Cidade das Artes.
Alguns episódios tristes marcam sua trajetória como escritor, mas nada que o faça perder a inspiração. “Eu cuido dos passarinhos, toco meu violão, leio e escrevo para passar o tempo”, comenta. Seu Mariano se considera feliz. Diz que acha que a vida não lhe reserva muito mais, mas que tudo o que planejou pra ele foi alcançado. Na sua salinha repleta de lembranças e histórias, ele se realiza a cada poema e segue escrevendo. “A vida só vale o que se faz de bom”, termina.


*Matéria publicada no Jornal Ibiá (Montenegro -RS) de 26 de junho de 2012. Matéria com foto aqui.

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